terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Boneco

Vicky Tavares
A mãe e o pai ambos portadores do vírus HIV, dependentes químicos de todo tipo de droga, viviam presos. Ela e uma amiga roubavam em lojas de departamentos e já eram conhecidas da polícia. Os filhos, duas meninas e um menino ficavam com uma tia. Vinham pela manhã e voltavam à noite para a casa. Tinham grande dificuldade para estudar, principalmente a mais velha. Ficaram dois anos conosco. O primeiro a sair foi o menino de sete anos. Foi morar com o pai em uma de suas saídas da cadeia.

Logo fiquei sabendo que já era "aviãozinho" trabalhando para os traficantes. Era moreno, de olhos bem graúdos, forte e triste. Alguns meses depois já estava pele, osso e se drogava. O crack é uma epidemia que tem crescido muito no Brasil, tem jogado vidas e mais vidas na sarjeta, tem destruído famílias e muitos jovens e crianças têm virado refém do vício.

Eu que sempre vivi do outro lado do rio nunca pensei que isso acontecesse. Uma realidade cruel demais. Difícil de acreditar. A menina mais velha tinha péssimos costumes. Pegava o que não lhe pertencia, mentia com muita facilidade e adorava se insinuar para os meninos. Ficava muito preocupada com ela porque no fundo ela era uma criança.  Adorava brincar com bonecas, penteava o cabelo delas e fazia comidinhas nas panelinhas de brinquedo. As duas irmãs eram muito bonitas, altas, louras com olhos bem claros, puxando para o verde e chamavam atenção.

Por conta desse vai e volta das prisões dos pais que a tia resolveu tirar as meninas da instituição. Ana logo se apaixonou por um traficante e foi morar com ele. Em seguida engravidou com apenas 12 anos. Ia brincar com um boneco de verdade. A outra ficou com a tia onde está até hoje!

O pai sempre aparecia para me pedir mantimentos, completamente bêbado e drogado. Tomava todo tipo de medicamentos: gardenal (remédio que age no sistema nervoso central utilizado para prevenir aparecimento de convulsões), beladona (planta medicinal indicada no caso de problemas do sistema nervoso), misturava com bebida alcoólica “para ficar doidão”, dizia. Era um rapaz muito bonito. Com tanta loucura que curtia foi ficando deformado.

Tinha dias que ia para a porta do Vida Positiva me esperar e começava a gritar com os funcionários. Então tomei uma decisão de não ajudá-lo mais. Pedi  então que mandasse sua namorada ir pegar as cestas básicas. Depois de algum tempo eles sumiram. Não sei se estão vivos. De Ana tive notícias. Esteve presa várias vezes. Deixou o menino com a família da mãe. Soube que  tanto ela quando o irmão perambulam pelas ruas como zumbis, cometendo pequenos furtos para manterem o vício do crack. Quando me lembro deles sinto uma grande tristeza no meu coração.

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