quarta-feira, 23 de maio de 2012

Bola na Rede


Vicky Tavares
Já está escrito nas estrelas que ele vai ser jogador de futebol. A minha torcida é apenas contra as drogas. Ele tem nome de Papa, ela muito linda, cabelos como os da Vanessa da Mata. Ele se livrou do vírus HIV, ela não teve a mesma sorte.

Quando chegaram choravam muito. O Conselho Tutelar tinha recebido reclamação dos maus tratos sofridos pelos menores. A mãe colocava-os para trabalhar como pedintes. A garotinha com HIV estava bastante debilitada. Era uma criança assustada. A impressão que tínhamos é que era maltratada.

Foi confirmado, no dia que a mãe foi visitá-la. Depois que ela saiu olhei para a mão da minha amiguinha e lá estava a marca de um beliscão. Fiquei chocada! Assim... do nada. O menino ela tratava bem. Muitas vezes o preconceito começa na família e continua na sociedade que às vezes chega a requintes de crueldade.

Fiquei com um pé atrás com a mãe, em outra visita queimou com cigarro o braço dela. Imediatamente proibi a visita deles (da mãe e do padrasto), mas eles nem insistiram. Estavam visitando no intuito de pegar a guarda de novo para usá-los nas ruas. Logo sumiram e nem quiseram mais saber da existência das crianças.

Só quem procurava era a avó paterna. Ligava, preocupada com os meninos. Ficamos amigas e conversávamos muito. Então falei para ela procurar a VIJ para tentar  a guarda dos infantes. Enquanto não acontecia, ela vinha de Goiânia para ficar com eles. Hospedava-se na instituição. Uma vovó muito querida!

Nossa Vanessa da Mata era extrovertida, tinha um belo sorriso, e não dava trabalho para tomar o coquetel. Seus olhos brilhavam quando me via, tínhamos uma relação muito amável, procurava ser muito carinhosa com ela porque sua relação com as pessoas era de medo.

Com o tempo de convivência ela foi adquirindo confiança e foi se soltando mais e mais. Ficou mais carinhosa e tinha muita paciência com o nosso Papa que pulava o dia todo. Não podia ver uma bola que enlouquecia e como jogava! Era corajoso, passava por todo mundo não importava o tamanho e sapecava na rede e saía gritando Gollllll!. Protegia a irmã mesmo sendo mais novo que ela dois anos. Brigava com todo mundo para defendê-la. Não entendia nada sobre o vírus mas sabia que ela precisava de cuidados maiores do que os dele.

Chegou o dia que a guarda saiu para a avó paterna e ela veio toda feliz buscá-los. Ainda ficou o final de semana conosco. Eu como sempre dividida, feliz porque eles teriam um lar e triste porque sentiria a falta deles. E como senti! Durante alguns meses vinham nos visitar, passar finais de semana, mas o tempo, que se encarrega de muitas coisas e uma delas é de colocar as coisas no seu devido lugar, tomou suas providências. Não vieram mais nos visitar, de vez em quando a vovó me liga para dar notícias.

Eles estão bem. Ele jogando muita bola e ela continua fazendo o tratamento antirretroviral. Também está escrito nas estrelas que ela será muito feliz e viverá por muitos e muitos anos.

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